UMA MULHER CHAMADA CLARICE

Melhor do que falar de Clarice é deixar que ela fale. E foi por pensar assim que, hoje, na homenagem coletiva que vários blogs estão fazendo a ela, a partir da sugestão da Cris, do In the name of love, que deixo este texto daquela que, sem dúvida, é uma das nossas maiores escritoras.

Aproveitem!

clarice

AS TRÊS EXPERIÊNCIAS

Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou a minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. “O amar os outros” é tão vasto que inclui até o perdão para mim mesma com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida . Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

E nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E no entanto cada vez que eu vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estreia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.

Quanto aos meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angustias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o vão necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós os criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.

Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.

Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.

ILUSTRAÇÃO

A ilustração usada neste post é um dos quadros pintados pela própria Clarice Lispector.

QUEM PARTICIPA

clarice1Se você chegou até aqui, não deixe de visitar, também, os outros participantes desta blogagem coletiva. São eles: Cris, a autora da ideia, Marcos, Krika, Cris Melo, Carlos Jr, Enoísa, Karina, Fernando, Marta Bellini, Gustavo, Lou Salomão, Laura, Carla, Jane, Dita, Regina, Kafé, Shirley, Vera, Elisabete, Dani, Taty, Tertu, Betty, Simone, Ana Paula, Grace, Tina, Adelaide, Perdigoteiro, Cláudio, Lili, Carlinha, Saramar, Patty, Lila, Mônica, Marcela, Carla, Luma, André, Helenice, Sérgio, Zé Paulo, Ernani.
A todos os participantes o meu muito obrigado.

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