O vai e vem do mar, o barulho das ondas, as suas ondulações e a mudança de cor que as várias fazes do sol lhe provocam, me fascinam. Nestes dias de quarentena e isolamento tenho mais tempo de observá-lo e uma das coisas que me dei conta é que o mar é, também, caminhos, longas ou curtas “rodovias”, que levam aos mais diversos lugares do mundo.
Nos últimos quatro meses, durante o dia, sempre tiro algum tempo para, à varanda, ficar observando o mar que tenho à minha frente. Pelo canal estreito, que circunda a ilha de Vitória, a capital do Espírito Santo, passam todos os tipos de embarcações, dos navios atulhados de contêineres aos pequenos barcos que quase não se podem ver quando estão mais distantes.
VAI, VEM E VOLTA
O vai e vem ocorre em todas as horas do dia – e também à noite. É o navio grande que chega ou parte, o pequeno barco de pescadores em busca do peixe que sustenta suas vidas, a lancha que transporta práticos, caiaques, jetesquis, rebocadores, chatas e todos os tipos de barcos. No final de semana, ainda temos as lanchas de lazer, que cortam as águas e se aproximam das praias.
Se estamos em casa – e, no meu caso, há mais de quatro meses – o que se pode constatar da observação da via marítima é que o mundo e a vida não está à espera de muita gente. Uma parcela significativa da população continuou em atividade e o movimento de embarcações é apenas um dos pontos em que pode ser observado.
PRIVILÉGIO DO ISOLAMENTO
No contexto em que vivemos, ficar em casa em isolamento é, antes de mais nada, um privilégio. A cada dia milhões de pessoas saem às ruas e se colocam em risco, não por não temerem a infecção pelo Covid 19, mas por necessidade. São os mais diversos tipos de trabalhadores, começando pelos chamados “essenciais”, nos quais se incluem os profissionais de saúde.
Tirando a atenção do mar e voltando-a para a rua, o que vejo são pessoas que, mesmo podendo evita-lo, decidiram correr o risco da infecção pelo Covid 19. São aqueles que, de alguma forma, estão negando a realidade, lixando-se para quem está próximo ou que se julgam imunes e imortais. Estes, do meu ponto de vista, não são cidadãos. E, como todos sabemos, também temos milhões deles no Brasil.
OCUPANDO O TEMPO
Este último gênero de pessoas tem o meu desprezo. Eles não se importam com a vida humana, nem a deles. Não tem empatia. Não pensam no coletivo. Julgam-se “donos do mundo”. Vivem em um mundo à parte, em uma ilusão e, nela, não há pandemia, não há Covid 19, não há hospitais lotados e, no caso do Brasil, 80 mil mortes oficiais provocadas pelo novo coronavírus.
Mas voltando à via marítima, a observação do mar é também uma forma de ocupar parte do tempo. Como são os barcos? O que eles trazem? O que estão buscando? Como é a vida de quem neles trabalha? São algumas das questões que me vem e fico observando os detalhes de cada um deles.
Não chega a ser uma rotina, mas sentar-me à varanda e observar o mar me relaxa e me dá ânimo para enfrentar novos dias de isolamento.