Moro em um local super tranquilo, à beira praia e em um canto em que posso dormir ouvindo o som das ondas e acordar com o som dos pássaros. Este ambiente calmo, pacífico e até bucólico foi responsável pelo fim da minha insônia. De minha varanda posso ver os navios passando, os pequenos barcos de pescadores saindo e chegando e observar as tartarugas que nadam próximo da praia, quase reproduzindo um balé. Quem conhece o local, se encanta, e frequentemente temos turistas deslumbrados e noivas usando o cenário como fundo de suas fotos.
É neste espaço bucólico e diferente para uma cidade que vive a agitação dos seus quase 500 mil habitantes, que temos um marco do que vivenciamos há muitos, muitos anos. Façamos um recuo e voltemos à Idade Média e, mesmo, logo depois, ao iluminismo. Apesar da revolução do conhecimento que o iluminismo nos trouxe, o seu período foi marcado, como nos anos que o antecedeu, pela precedência da Igreja Católica. Ela mandava no mundo e um dos marcos deste domínio era o tocar do sino, que marcavam o horário e anunciava o que era importante. O toque do sino a todos alertava, seja para chamá-los à igreja – como ainda ocorre com os muçulmanos – seja para avisar que algo estava acontecendo.
Não temos, mais, padres, diáconos e religiosos se pendurando nas cordas dos sinos, divertindo-se ao mesmo tempo em que eram tocados. E a maior prova disso é o que ocorre ao lado do meu prédio. Há algum tempo, a Igreja Católica que serve a comunidade foi concluída e uma das coisas que ganhou foram sinos, automatizados, que podem ser programados para tocar em uma determinada hora, definindo-se, também, o número de toques que dará. Pois este sino, desde então, toca religiosamente duas vezes por dia. Primeiro, ao meio dia. Depois, às 18 horas. Faça sol ou chova, nestes dois horários quem mora nas proximidades, o ouve tocando e podem contar o número de badaladas, que se aproximam das 50.
O toque, solitário, nos leva aos velhos tempos da Igreja Católica, e no meu caso específico, me traz o som nostálgico da adolescência, quando ouvia os sinos chamarem para a missa dominical, em que acompanhava meus pais, às vezes, e depois acabava indo sozinho, já que, além de católico praticante, transformei-me, também, em Congregado Mariano, um dos mais jovens da congregação da minha cidade.
Não sou mais católico e, tampouco, religioso. Mas todos os dias, na hora do almoço e no final do dia, o sino me lembra de um tempo diferente, em que era bem mais jovem, tinha muito menos compromisso e toda uma vida adiante. O que me dizem é que foram bons tempos, mas já não os vivo, pois, como o próprio mundo, mudei. Mas a Igreja Católica, não.