O QUE O ELEITOR QUER

A política no Brasil quase sempre é enquadrada em cima da vida parlamentar ou de quem está à frente dos Executivos nos três níveis de Governo – Federal, Estadual e Municipal. O que vemos normalmente na mídia é a informação sobre gastos parlamentares ou do Governo e o que os dois fazem. O ângulo é sempre de crítica e, no mais das vezes, ela é justa, já que os políticos – que não encarnam, em si, a política – têm comportamentos que não são nada aceitáveis. Como já disse antes, a política – e poderíamos dizer com P maiúsculo – é muito maior e mais ampla do que os políticos e o que eles fazem. Mas isso é uma outra história.

Voltando à questão da ótica de abordagem da atividade política, é interessante ver o que pensa e, sobretudo, o que quer o eleitor. Não se vê muitas matérias sobre este tema, embora tenhamos uma das mais extensas pesquisas sobre o assunto no livro A cabeça do brasileiro – veja Somos o que pensamos – que mostra, claramente, como somos e o que desejamos individual e coletivamente. O trabalho foi acrescido, depois, de A Cabeça do Eleitor, mais específico sobre as eleições e como ganhá-las. Os dois livros são muito interessantes e, pessoalmente, recomendo que sejam lidos, pois nos dão uma visão mais clara do que, como conjunto, pensamos e queremos.

Mais na linha do segundo livro, o jornal A Tribuna, de Vitória, fez uma extensa reportagem mostrando, a partir de relato de políticos com mandatos, listando uma série de sugestões encaminhadas a Deputados Estaduais e Vereadores por eleitores. Alguns deles, diga-se, até fazem sentido, como o que propõe a retirada dos impostos dos protetores solares, hoje considerados por dermatologistas essenciais na prevenção do câncer de pele. Outros, no entanto, são muito, mas muito irreais, mesmo. É o caso, por exemplo, da sugestão da obrigatoriedade de o Estado distribuir Viagra – ou similar – de graça, sem especificar como se poderia constatar a necessidade dele, se é que existe.

Outra sugestão é a criação de clínicas especializadas para cães, mantidas pelo Estado, com atendimento gratuito. É compreensível que as pessoas se preocupem com seus animais domésticos, mas em um país onde as clínicas para atendimento às pessoas funcionam da maneira como todos sabemos, é mais do que non sense, a intenção de que o Estado, com os impostos que pagamos, mantenha atendimento especializado para animais. Ao eleitor, aparentemente, não interessa sequer o custo disso. Nesta mesma linha está o pedido para a criação de cemitérios exclusivos para animais.

É diferente o pleito de que quem viaja em pé nos ônibus pague uma passagem menor. Se olharmos bem, é até uma reivindicação justa, mas a sua implementação é muito complicada. Imagine que um passageiro esteja em pé e, logo a seguir, encontre um lugar vago. Se tiver pago uma passagem menor, poderá ocupar o lugar? Vemos essa diferenciação nos aviões, com a divisão de classes. Já estive em voos que tanto a primeira quando a classe executiva estavam vazias, mas a econômica completamente lotada. Como seria nos ônibus urbanos, que é o foco do pedido? Ainda em relação aos ônibus, um outro pedido é de que, neles, não seja permitido usar celular.

Existem, também, ótimas sugestões, como a obrigatoriedade de exames pré-natais odontológicos. Certamente se adotado, eles evitariam uma série de problemas das mães e dos filhos, mas voltamos, aqui, à questão da assistência médica de massa, com o Estado não conseguindo disponibilizar o básico para o cidadão. Como, então, querer atendimento odontológico especializado? Ele é necessário, mas, no meu entender, não é factível, pelo menos não antes de resolvermos os problemas hoje existentes na saúde. E, por fim, uma reivindicação que facilitaria a vida do cidadão: a colocação de escadas rolantes nos morros. Se concretizada, atenderia uma grande parte da população, mas certamente os morros e as baixadas têm muitos mais problemas a serem resolvidos antes de que se coloquem neles facilidades como esta.

A verdade é que o eleitor sempre quer mais e quer o que lhe seja imediatamente benéfico. É natural do ser humano pensar assim, deixando de lado as considerações de custo, viabilidade, uso do dinheiro público, etc. Aqui, a irrealidade do eleitor se junta a de muitos políticos.

Compartilhe:

Twitter
Facebook
LinkedIn
Pinterest

Add a Comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *