Fé não tem explicação racional. Acredita-se. Ou não.
O conflito entre fé razão é antigo, vem sendo discutido por filósofos ao longo do tempo. E esta discussão tem levado a uma separação, tratando-se a fé como transcendental e o conhecimento como algo mais material. Tanto é verdade que temos, em filosofia, dois caminhos para o conhecimento – a gnosiologia e a epistemologia.
A primeira, cuida do conhecimento transcendental, incluindo-se, nele, a fé. O segundo, do conhecimento humano, material e cientifico. É neste sentido que atuaram estudiosos como Agostinho, com a sua Cidade de Deus, que se antepõe à cidade dos homens.
Esta tradição, no entanto, começou antes. O próprio Cristo recomendou, segundo os evangelhos canônicos – os que estão na bíblia – que se desse a César o que era dele, e a Deus, o que lhe pertencia. Uma separação clara entre a fé o que não é fé.
Esta postura de separação não é apenas do cristianismo. Outras religiões também a adota, embora, em alguns casos, a fé esteja intrinsicamente ligada à vida de cada um, dela fazendo parte, inclusive nos comportamentos que, em princípio, nada deveriam ter com a fé. É o caso, por exemplo, dos islâmicos.
Se há uma clara separação entre fé e o mundo material, como entender a polêmica do Código da Vinci e do Evangelho segundo Judas? Os dois atingem pilares do cristianismo, sem dúvida uma crença arraigada no Ocidente e que ajudou a formatar o que se pode chamar de cultura ocidental. Por isso, são contestadas. Ninguém que acredita – e pode ser em qualquer coisa – quer ver a estrutura de sua crença contestada, derrubada.
Ao colocar em dúvida “verdades” aceitas há milhares de anos, o livro de Dan Brown, primeiro, e o Evangelho segundo Judas, depois, geram reações normais, de defesa de algo que está instituído e forma a base de uma crença.
Nesta hora, não entra em consideração o fato de Dan Brown ter escrito um romance, portanto, ficção. O que ele diz pode ser verossímil, mas não pode ser aferido. Usou indícios e fatos e a partir deles construiu uma ficção, na verdade um belo livro, de leitura fascinante. Exatamente pelo que oferece.
Não se pode dizer, após todo o cuidado que a National Geographic teve, que o Evangelho de Judas é uma ficção. O que não se sabe é quem o escreveu e em que contexto foi escrito. Os indícios apontam para os gnósticos, para quem a crença era transcendental, reveladora e não presa ao mundo material. Faz sentido, mas ninguém, sabe ao certo se assim foi.
O que fica claro do episódio como o Código da Vinci e do Evangelho segundo Judas é a intolerância da religião – seja ela qual for – para tudo que conteste seus princípios, que possa colocar em cheque a crença arraigada.
Toda religião se acha única e verdadeira. Ao abraçar uma determinada fé, quem o faz a assume integralmente, não aceitando contestação, critica, mudanças. Afinal, está¡ abraçando a verdade. E se se trata dela, como aceitar mudanças? Não importa, nem mesmo, que se fale de algo que é ficção.
O que ressalta é a possibilidade de se derrubar pilares da crença. Para quem crê, isso é inaceitável. Daí a reação.
É o que aconteceu e está¡ acontecendo em relação ao Código da Vinci e ao Evangelho segundo Judas.
JUDAS, EVANGELHOS, FÉ E FICÇÃO
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Lino Resende
Contador de Histórias Reais, jornalista, especialista em texto, edição de livros, consultoria e assessoria de imprensa
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