“O Jalapão é bruto”. O slogan, usado por uma operadora que leva visitantes ao Parque Ecológico do Jalapão, em Tocantins, é verdadeiro, mas não revela o que a região efetivamente é: Quase intocada, muito bela, um areal imenso coberto por vegetação baixa e muita água no meio de um quase deserto. O melhor que o Jalapão oferece ao visitante é a natureza, que é diversa, bela, mas de difícil acesso, sobretudo nos pontos considerados turísticos.
Se você for ao Google e procurar por “Jalapão” irá encontrar belas fotos, referências ao parque e ao que tem. É um indicativo, mas não diz, de verdade, o que ele é. Primeiro, é longe e para nele chegar é necessário enfrentar estradas de terra – costelas, buracos, areia e condições que estão longe de proporcionar conforto ao viajante – e depois, a precariedade da infraestrutura que as cidades onde o visitante fica oferecem. Ainda há as distâncias entre as atrações, que são de quilômetros de distância. O parque, para lembrar, é quase do tamanho do Espírito Santo e, por isso, para chegar aos locais turísticos é preciso enfrentar trilhas, calor e desconforto.
TRAÇÃO 4X4, UMA NECESSIDADE
Não é à toa que as operadoras que levam ao parque chamam a visita de “expedição”, pois está bem dentro do que se convencionou chamar de “turismo de aventura”. Os caminhos são percorridos por carros com tração 4 x 4, necessária para enfrentar as trilhas de areia em que um veículo convencional ficaria “atolado”. Se o que já foi dito assusta, desista do Jalapão. Se não, siga em frente e irá se surpreender, vendo a combinação de um quase deserto com mananciais límpidos, de águas mornas e a maior surpresa dos “fervedouros” ; nascentes que devido à sua força, impedem que a pessoa afunde, mantendo-a na superfície.
Então, vamos começar a descobrir o parque? O roteiro é repleto de belas cachoeiras, começando bem próximo de Palmas, a capital do Tocantins, em Taquaruçu. Depois, já chegando no Jalapão, o cânion de Sussuapara, esculpido pelo vento e pela água, que oferece ao visitante a oportunidade do primeiro banho, proporcionado por uma pequena cachoeira, que desce pela venda formada ao longo de milhares de anos. Daí, chega-se à primeira cidade, Ponte Alta, uma das entradas para a imensa área do parque.
A partir de Ponte Alta é que a aventura realmente começa e são quilômetros e quilômetros de terra, poeira e calor para se chegar à primeira atração, que no nosso caso foi o fervedouro de Buritis e a surpresa que oferece: águas límpidas, areia branca e pura diversão, flutuando sobre o nascente que brota com força do chão. Depois, a “praia” do Rio Novo, outra vez com águas cristalinas e que refresca o calor do trajeto. A surpresa vem dos pequenos peixes, os lambaris, que – se você deixar – acabam se banqueteando, já que se aproximam e dão pequenas “bocadas” nas suas costas, assustando quem está nadando e não espera por isso.
ROCHAS QUE NÃO SÃO ROCHAS
O passo seguinte foi duas formações “rochosas” do Jalapão, a pedra do Chapéu, morada de maritacas e outros pássaros, além de uma grande colônia de morcegos, e a pedra Furada. As duas, na verdade, não são rochas, mas formadas de arenito, que se desgasta com o vento e as chuvas. Marcadas pelo tom avermelhado, ambas se destacam na paisagem plana e que se vê o horizonte. Na pedra Furada, há um grande “arco”, que continua sendo ampliado e, mais acima, de onde se acompanha o por do sol, um outro, menor, que parece ter sido feito de propósito para uma boa foto.
O dia se encerra com um por do sol espetacular, se o céu estiver limpo. Já à noite, toma-se o caminho da pousada, em Mateiros, a segunda cidade do percurso. No quarto, é o único momento de conforto, pois tem ar condicionado. Mas não espera internet, wifi ou mesmo um bom sinal de telefone – quando fui, eram praticamente inexistentes. Este existe e funciona, mas como em Ponte Alta, há uma única operadora e se sua linha não é dela, espere problemas para falar.
No segundo dia em Mateiros, tudo recomeça. Café da manhã e estrada de chão, trilhas no meio de areia, vegetação quase rasteira e a chegada aos fervedouros, cachoeiras e praias, que surgem quase do meio do nada. Apesar de ser muito quente e seco, ao longo de todo o parque o que não falta são rios, praias, cachoeiras e fervedouros. Estes são cerca de 30, com pelo menos 10 sendo usados por quem se aventura no Jalapão. É a oportunidade, também, para ver a fazenda de Pablo Escobar, o chefão do tráfico de cocaína, morto há alguns anos. Ele construiu a estrutura no meio do Jalapão, onde refinava a droga e a vendia para o Brasil e para outros locais. A fazenda foi descoberta e confiscada pelo Governo e chegou a ser usada como pousada, mas hoje há, apenas, um posto de fiscalização no local.
QUASE CHEGANDO AO FINAL
No quarto dia do parque do Jalapão, volta à estrada e as atrações – fervedouros, praias e cachoeiras – e no final do dia o caminho de São Felix de Tocantins, onde haveria pernoite e, no dia seguinte, novas atrações e, depois, o caminho para Palmas, com o encerramento de expedição. A volta foi a pior das partes enfrentadas no Jalapão. No início, mais um fervedouro, o de Alecrim, nova praia no rio próximo e, então, estrada. Da saída até a chegada a Palmas, a capital do Tocantins, foram cerca de 7 horas de viagem, com parada em Novo Acordo para o almoço, já no meio da tarde. Depois de andar quase mil quilômetros para ir, andar pelo Jalapão e voltar à civilização, o conforto de um bom hotel, celular funcionando, wifi que conecta, acesso à internet, a vida voltando ao normal.
E então, depois de tudo, o que dizer da “expedição” e do próprio Jalapão. No meu caso, fiquei surpreendido favoravelmente. A região é bela, os fervedouros surpreendentes, as águas cristalinas. Há desconforto? Sim. Mas ele é superado pelo prazer de mergulhar em águas mornas, divertir-se tentando afundar no olho do fervedouro e até apreciando a simplicidade da comida. E nessa opinião, não estou sozinho: minha esposa, filha e genro que também foram, gostaram da experiência. Desde o início há um ritmo diferente, mais lento.
O que o Jalapão proporciona é um retorno à simplicidade, fugindo de um mundo acelerado, ligado. A vida volta a ser simples, quase de sobrevivência. A comida volta a ser o básico, para alimentar somente, não para degustar. Dorme-se bem, anda-se bastante, chacoalha-se muito, enfrenta-se o calor, mas, no final, o balanço de tudo é que, sim, vale muito pena conhecer o Jalapão e sua beleza única, de um local quase intocado pelo homem e que ainda consegue nos surpreender.
É uma viagem que recomendo.
CAPIM DOURADO E QUILOMBOLAS
Se a natureza oferece belezas em abundância, uma das coisas que praticamente não existem no Jalapão são as compras. Como tudo é básico, o único atrativo é o artesanato local, feito de capim dourado, um tipo de capim que só nasce na região do parque e que não pode ser dele retirado, a não ser com as peças produzidas por artesãos que moram nas cidades circunvizinhas.
Quem descobriu o capim dourado, haste de uma pequena flor branca da família das sempre-vivas – e o utilizou primeiro foram os índios – mas o artesanato de hoje é criação de dona Miúda, matriarca dos quilombolas de Mumbuca, que fica no meio do parquet do Jalapão. Ela repassou a técnica às filhas, dando identidade à produção da região. Hoje, na aldeia quilombola, há uma foto em destaque de dona Miúda, a árvore genealógica da família, que ficam na loja onde as mulheres da comunidade vendem sua produção.
Há uma boa variedade de peças em Mumbuca, onde o visitante é também brindado pelo coral formado pelas crianças da comunidade, que lhes dão as boas vindas. Além do artesanato pode-se adquirir um CD com cantigas de rodas, gravadas pelos quilombolas, que são simples, mas belas, aliás como o próprio artesanato e toda a região. No caso do capim dourado, segundo se conta na região, já houve tentativa de plantá-lo fora do Jalapão, mas as experiências não foram bem sucedidas.
O capim dourado é nativo na região, aparecendo nas veredas – locais próximos de fontes de água – e no meio de outra vegetação, sendo colhido a partir do mês de setembro e indo, no máximo, até novembro. Se foi criado pelos quilombolas, o artesanato, hoje, não ser resume à produção deles. Em Ponte Alta, Mateiros e nas cidades que cercam o parque há artesãos que também trabalham com o capim e parte da produção deles chega à capital, Palmas, e até outros Estados.
ANIMAIS, PLANTAS E DOCES
O Jalapão, que forma um bioma único, pode ser dividido em quatro tipos de paisagem: platô, rebordos ou encostas, planícies e veredas. Os platôs são os chapadões e planaltos, que se parecem, olhados de longe, com uma mesa e que rodeiam o parque. Os rebordos são onde se localizam as nascentes dos rios e os processos de erosão, provocados pelos ventos e chuvas, e que dão origem às dunas.
As planícies são áreas abertas de vegetação do cerrado que, embora pareçam iguais, não o são, já que há variações, dependendo da qualidade do solo. Onde é mais rico, a vegetação á maior e vai diminuindo de tamanho na medida que empobrece, até ficar quase uma cobertura rasteira, que mão esconde o solo arenoso. As veredas são áreas úmidas e podem ser facilmente identificadas pelos buritis. Onde eles aparecem, é sinal de que há água ou, pelo menos, maior umidade.
É nessa paisagem que surgem plantas nativas e típicas da região, algumas usadas para doces e sorvetes, como é o caso do próprio buriti, do murici, da cagaita e do cajá. Mas por lá podem ser encontrados ipês, cedro, sucupira, mangaba e uma vegetação típica da região. E nela, uma fauna que, embora pouco dela se veja, existe, com muitos pássaros, emas, gaviões, lobo do cerrado, vários tipos de araras, siriemas, perdiz e codorna, dentre outros.