AS VÁRIAS RECEITAS DA VIDA

A imprensa, de um modo geral, e os jornais, em particular, vivem um momento de incerteza, procurando novos caminhos que os mantenha com a importância que até hoje tiveram para a sociedade. Clay Shirky tem um belo texto sobre este momento. A questão, aqui, no entanto, não é a discussão de futuro, mas a constatação do presente. No dia a dia a mídia impressa tem se tornado, com exceções, é claro, um repositório de receitas de como devemos proceder, o que devemos fazer, como devemos nos comportar. E isso vale tanto para a vida profissional, quanto para a ação privada.

Se nos chamados dias úteis este tipo de tendência já se mostra claramente, é nos finais de semana que ele desponta com toda força. E as matérias, normalmente longas, vão desde o que fazer para conseguir um bom emprego. E no caso de já estar empregado o que fazer para se manter e ascender na profissão, na carreira, tornando-se um profissional de sucesso. E chegam aos detalhes do que um pretendente não pode fazer se quiser arranjar uma namorada, relacionando os vários “pecados” que alguém pode cometer.

Estes pecados vão desde manter na carteira a foto da ex, até algum tipo exotérico de procedimento em casa ou no próprio relacionamento. Agora, aqui pra nós, quem é que se preocupa com isso de verdade? Relacionamentos, pelo que sei, se constroem de outra forma e baseado, primeiro, em uma atração mútua. A partir daí é uma construção que se tiver boa fundação, dura. Pequenos gestos são, sim, importantes, mas isso fica bem longe de se relacionar pecadilhos que um ou outro pode cometer antes de se iniciar um namoro.

Mas o namoro não é o único exemplo. A mídia impressa está preocupada com a nossa saúde – aliás, o que nós, também, deveríamos estar – e alinha, como no caso do namoro, atitudes saudáveis que podemos tomar para preservá-la, indo da moderação nos alimentos aos exercícios. Aqui, a pergunta é: Será que todos nós já não sabemos disso? Exercitar-se, dormir bem, ter uma vida saudável, comer alimentos que são nutritivos e não exagerar, seja no que for, deve ser o princípio de todos nós. E quem não toma estas atitudes sabe que está agindo em seu desfavor. O que a mídia acrescenta?

No caso do emprego, então, as coisas chegam aos mínimos detalhes, indo do que vestir na hora de uma entrevista, ao que falar, os cuidados que devem ser tomados. Se seguirmos todas as recomendações teremos de fazer doutorado em encenação, especialização em como nos vestir e cursos de oratórias que nos ensine a falar. Não estou na fase de procurar emprego, mas sempre achei que nas entrevistas o mais importante é você demonstrar os conhecimentos que tem. Afinal, é no seu conhecimento que as empresas estão mirando. O resto é acessório.

Acho que a mídia tem, sim, de informar, mostrar o que fazer. Mas isso não pode tornar-se no cerne de sua atuação. O que eu quero é informação, que pode embutir prestação de serviço. Só esta, não. Não preciso de um jornal, de uma revista para saber disso. Basta ir à internet e no Google e procurar que vou achar centenas, milhares de roteiros de como proceder, do que comer, do que fazer, etc. e tal. E tudo isso sem contar que receitas de vida quem tem de fazê-la somos nós próprios, pois nada garante que a experiência de alguém será idêntica à nossa.

Você tem alguma dúvida disso?

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