Perto de quatro meses de quarentena, saímos de casa pela primeira vez e passamos um final de semana – eu e minha esposa – em Guarapari, onde temos um pequeno, mas funcional apartamento. A mudança me trouxe uma reflexão sobre a importância de se ter o horizonte à vista nestes dias de isolamento social.
Especificamente no meu caso, além do horizonte aberto, também o mar representa um fator importante. Sou dos privilegiados que tem os dois. O mar e o horizonte estão à frente, visíveis das minhas janelas, no apartamento onde vivo. É diferente em Guarapari. Lá não tenho as mesmas vistas, mesmo estando muito próximo do mar. O horizonte, no entanto, está coberto por outros edifícios e a visão que tenho dele é da rua, com a vida resumindo-se ao que nela acontece.
MUNDO ENCOLHE
Se o nosso mundo já encolheu e por estarmos em recolhimento passamos a vê-lo do lado de fora, ao perder o horizonte ele fica ainda menor, reduzido ao espaço que ocupamos e só acessível mediante a tecnologia. E foi assim que descobri como ter o horizonte à frente é importante para superar os dias de confinamento voluntário.
Se olharmos bem, de certa forma, vivemos todos encaixotados, seja em apartamentos, seja em casas. Abrimos mão dos espaços abertos em busca de proteção individual e para nossas famílias e grupos. Os edifícios praticamente tornaram-se os locais preferidos de habitação e se proliferaram, como vemos em praticamente todas as cidades do mundo.
E foi essa proliferação que nos tirou o horizonte. Na maioria dos casos, quem olha pela janela vê, do outro lado, mais janelas, mais edifícios, limitando sua visão e concentrando-a na rua à frente, pelo menos para os que moram de frente para ela. Uns poucos, como eu, tem uma visão mais ampla, que não se restringe ao edifício em frente e, no meu caso, o mar está do outro lado da rua e o horizonte, à sua frente.
ENCOLHE E EXPANDE
Confesso que nunca tinha pensado nessa questão. Também nunca imaginei que ficaria por quase cinco meses seguido em casa. Antes da pandemia, era algo inimaginável. Podia sair às ruas, caminhar, andar à toa e não ter de me preocupar com um vírus que tomou o mundo de assalto e transformou o Brasil em um imenso cemitério.
Fugindo, não, evitando-o, me recolhi. E ao fazê-lo, o mundo, de certa forma, ficou do lado de fora. A vida, como a tinha antes, ficou à espera. De início, achei que seria um recolhimento rápido. Estava enganado, assim como me enganei sobre a volta ao “normal”. E foi com o passar dos dias que fui me dando conta de uma profunda mudança no mundo, não só em relação à visão que tinha dele, mas do comportamento humano.
Não sou psicólogo, mas acho que o afã de parte dos brasileiros em irem para a rua tem a ver com o fato de vivermos encaixotados, sem horizonte visível, o que estreita nosso mundo. É uma visão sem base científica, mas foi ao não ter uma visão mais ampla do “lado de fora” que descobri como ter o mar ao lado e o horizonte à frente é importante.
Hoje, tenho uma certeza: os dois tornaram meus dias mais fáceis, deixando o isolamento mais aceitável, e vão me ajudar a esperar o que virá no amanhã.