Temos um cantor sertanejo em frente ao nosso prédio nesses dias de quarentena provocada pelo coronavírus, a Covid19. Ele é um dos trabalhadores que tira o seu sustento do mar e aproveita a abundância de mariscos para colhê-los e deixá-los prontos para a venda. É uma atividade sazonal que se dá durante o verão mas que, neste ano, está se prolongando um pouco mais.
À frente do prédio estão várias mesas onde os mariscos são separados e, quase todos os dias e nunca à mesma hora, começo a ouvir música caipira – sertaneja – de raiz. E é aí que o cantor entra, elevando a voz e cantando junto a maior parte do playlist. O comportamento tem se repetido com frequência e as músicas vão mudando, mas sempre com músicas muito antigas, de duplas que há não existem.
INFÂNCIA
Além de ouvir a reprodução da música e o pescador a cantando, ao ouvi-las me vem lembranças da infância. Meu pai era um apreciador de música caipira, como ela era chamada então, e a ouvia todos os dias pela manhã e, às vezes, à noite. Acordava cedo, ligava o rádio, que era o contato com o mundo, escolhia uma estação e deixava lá, os caipiras de fundo, enquanto fazia suas atividades.
O cantor-pescador reproduz, em bom tom, muitas das músicas que ouvia e, por tanto ouvi-las, acabei aprendendo a letra. Elas, portanto, lembram minha infância, vivida no meio rural, em uma casa de fazenda que, na época, tinha cerca de 100 anos de construção. Ela foi construída por meu bisavô para o meu avô, que nela foi morar quando se casou. Foi ali que meu pai nasceu e foi para ela que voltamos quando ainda era bem criança.
Foi na casa que passei a maior parte da minha infância e juventude, só saindo para ir estudar. Primeiro, em Jerônimo Monteiro e, depois, em Alegre, ambas cidades do Sul do Espírito Santo. Mais tarde, saí em definitivo, vindo para Vitória com objetivo de estudar e trabalhar, nessa ordem. Consegui meu intento e, hoje, anos depois, me deparo com as memórias da música sertaneja – que então era conhecida como caipira.
MEMÓRIAS
Esses dias de quarentena estão cheios de memórias, como já relatei aqui, no blog. São fotos antigas, de quando meus filhos eram crianças e adolescentes. São lembranças de viagens em família que, a partir dos filmes, chamamos carinhosamente de “viagem frustrada”. Só que, de frustradas, elas nada tiveram. Foram ótimas e nos permitiram aproveitar juntos.
E com as lembranças vem as reflexões de um bom período de vida, de ação profissional, pessoal e familiar. A maior lentidão dos tempos de quarentena está nos permitindo refletir sobre o que fizemos e começar a pensar no que iremos fazer quando a pandemia passar.
Uma certeza vai se consolidando: nada será como antes. E ela vem do fato de a vida ser dinâmica, mudar de acordo com as circunstâncias e de sermos seres adaptáveis.
Certamente, vamos mudar. E vamos nos adaptar. E depois lembrar os dias de quarentena como memórias partilhadas.