Tem coisas que ficam na memória e, na primeira oportunidade, a gente se lembra. Foi o que aconteceu comigo há alguns dias, em um final de semana. Sai para almoçar e próximo do local onde fui tinha uma feira de pequenos produtores rurais – agricultura familiar. Após o almoço, fui ver o que havia e, chegando lá, comecei a ouvir uma música. Parei, apurei o ouvido e me lembrei.
Tratava-se de uma música de Folia de Reis, um tipo de manifestação folclórica muito comum na minha infância e adolescência, vivida no interior do Espírito Santo – município de Alegre – um pedacinho todo especial do Brasil. O que eu fiz, ao identificar a música, foi procurar de onde ela vinha. Descobri que um grupo, devidamente paramentado, a estava tocando e representando, pois nela a representação é parte importante, já que envolve todo um simbolismo.
Para quem nunca viu, nunca ouviu ou nunca ouviu falar, aqui vai uma definição de Folia: “Folguedo popular em que um grupo de homens, carregando uma bandeira ou estandarte, podem esmolas. Levam cavaquinho, violão, acordeom, pandeiro e tant㣠e cantam à porta das casas, recebendo esmolas e refeições”.
Funciona da seguinte maneira: Durante 12 dias, do Natal até 06 de janeiro, o chefe dos foliães pode bater à porta de qualquer pessoa a qualquer momento, de manhãzinha ou em outra hora. Ele será seguido de palhaço ou palhaços e usará todos os instrumentos para fazer o máximo de barulho. Pedirá, então, licença para entrar em casa, tomar café, lanchar e recolher o dinheiro separado para a Folia. Vai, ainda, oferecer uma bandeira enfeitada de fitas enquanto, do lado de fora, o palhaço dança ao som da música e também recita versos.
A Folia, que pode ser do Divino, no caso do nascimento de Cristo, ou dos Reis, em homenagem aos Reis Magos, lembra a viagem que os reis magos fizeram a Belém para encontrar o Menino Jesus. Os palhaços, vestidos a caráter e coberto de máscaras, representam os soldados de Herodes. A bandeira, que os foliães dizem abençoada funciona como uma abertura e protege das más influências.
Na minha infância e juventude a Folia passou várias vezes por nossa casa. Na verdade, quando chegava o final do ano todos nós – e nossos conhecidos e vizinhos, também – ficávamos esperando o seu aparecimento. Era sempre o mesmo grupo, que mantinha a tradição. E uma característica é que, nos 12 dias de apresentação, eles se transformavam em caminheiros, indo de um para outro local. E como era a zona rural, com casas dispersas, percorriam um longo caminho.
Normalmente, em cada casa que chegavam, recebiam café e algum tipo de alimentação, repartida com todos. No final, feita a apresentação, recebiam uma contribuição e, para agradecê-la, saiam cantando uma de suas canções. Um dado curioso que me lembro é que o palhaço – pelo menos nas apresentações feitas à porta da minha casa – nunca tirava a máscara. Era, de certa forma, um jeito de ficar incógnito.
Ao me deparar com a Folia, minha memória auditiva e visual foi avivada, mas para este artigo andei dando uma lida na internet e em vários sítios que falam deste tipo de manifestação, que tem origem portuguesa. Em um deles, há o comentário de que os participantes da Folia se comprometem a fazerem parte dela, apresentando-se durante sete anos consecutivos.
Outro dado curioso é que a arrecadação feita pelos foliães – que é destinada à Folia – não tem espírito religioso, pois não se transforma em contribuição para a Igreja, no caso a Católica. No final da caminhada, encerrado o período de Folia, eles se reúnem, vêm o que arrecadaram e fazem uma festa. Nela, misturam as devoções – como ladainhas – com uma espécie de confraternização, gastando nela o que foi arrecadado.
No Espírito Santo onde esta manifestação cultural era e é comum, anualmente, no município de Muqui, no Sul do Estado, há uma festa envolvendo a apresentação de várias Folias, o que transforma a cidade em um só colorido. Mas não são só os capixabas que a praticam. Ela se repete nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. E de um para o outro há variações na forma de apresentação e no tempo de duração da Folia.
Minha lembrança e a apresentação da Folia em um sábado, veio a calhar. E me deu assunto para falar de uma coisa que é típica do Brasil e, ao mesmo tempo, enquadrar o artigo na blogagem coletiva Coisas do Brasil II, promovida pela Andréa Motta, do Leio o Mundo Assim. É uma ótima oportunidade para que todos nós conheçamos um pouco mais deste imenso e belo país e vejamos aspectos que, a não ser através da lembrança de blogueiros, não teríamos a oportunidade de conhecer.
A Folia, como a maioria das manifestações folclóricas, já não tem o mesmo alcance de quando eu era criança. Mesmo assim, abnegados a mantém viva, repassando a tradição para filhos e, destes, para seus filhos. E ela é uma marca do folclore capixaba, pouco conhecido inclusive pelos que são nascidos no Espírito Santo e aqui vivem. Se a blogagem contribuir para que ela seja mais conhecida, terá valido a pena.
10 Respostas
Eu já conhecia a Folia de Reis; aqui em Minas muitas cidades cumprem a tradição.
Tudo o que faz parte da nossa cultura e do nosso folclore deve ser preservado, com certeza.
Bjo e otimo findi.
Lino,
Convido vc para celebrar comigo 5 anos de aniversário do meu blog.
Aguardo vc para comer um pedaço de bolo e brindar essa data.
Big Beijos
É sempre bom reavivar essas lembranças. Beijos.
Olá!
Também participei da blogagem coletiva. Estou visitando os demais participantes, isso tem sido uma maneira deliciosa de conhecer melhor esse paÃs e outras pessoas.
Eu tive a oportunidade de ver um grupo de Folia dos REis em uma feira de artesanato. Essas manifestações folclóricas são maravilhosas.
Beijos
Ivani
Muito bom.
A Folia de Reis, entre o Natal e o Dia de Reis, indo até o dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, faz parte da minha memória de infância, em ParaÃba do Sul, no estado do Rio de Janeiro.
Belo registro de uma tradição que deve ser cultivada.
Luiz Ramos
Adoro as festas e a cultura do povo brasileiro, especialmente da minha Região Nordeste, o qual tenho orgulho. Também temos a Festa de Reis, que é realizada nos 4 primeiros dias de janeiro, e dá a oportunidade das pessoas cantarem nas casas, anunciando a chegada do ano novo. Realizamos o Reisado com os pacientes do Programa Reviver todos os anos, e por ela nos vestimos em grande produção para sensibilizar as pessoas que nos darão donativos em alimentos ou dinheiro, o qual entregamos a uma famÃlia carrente quando finda a Festa. Os pacientes adoram, eu também gosto muito, pois conseguimos preservar a tradição e ainda ajudar pessoas com um pouquinho. Não é ótimo?
Fazia tempo que não vinha aqui.
BeijUuvooooooooooooooossssssssssssss da Loba
Lino!
Conheço a Folia de Reis por minha avó, contava seus bons tempos de infância no Maranhão, nunca tive a oportunidade e ver.
Uma semana com muita Paz.
Grandes bjus.
Folias de Reis. Não me lembro delas em Minas mas no interior do estado da Bahia. O que me encantou foi a musiquinha. Não sei te dizer porque.
Só sei que amo o som da gaita de fole e nunca vi uma pessoalmente…
Gostei muito do seu texto. Dizem que manter a memória sempre fresca com as lembranças, ajuda a memória.
Boa tarde, Lino! VOltei hoje para reler seu texto sobre a Folia de Reis. Feliz ano novo!
Viajei no tempo!!
Q bom ver um blog tão legal e feito por um capixaba!!
Adorei!!
Vou voltar mais vezes.
Um abraço.