Há dois anos, participando de uma outra blogagem coletiva – Cecília de todos os cantos – afirmei: “Toda vez que penso em Cecília Meirelles ouço a voz de Fagner cantando Canteiros. E acho que isso ocorre por descobrir, com surpresa, que a letra era um poema dela”. Pois bem, eu estava certo. E também estava errado.
Continuo vendo Canteiros como algo produzido pela poetisa, mas a letra, em sua maior parte, é mesmo do Fagner, que a canta. O poema de Cecília, de onde um pedaço da música foi tirada, chama-se Marcha, e é um pouco diferente do que Fagner canta. Ao mesmo tempo em que corrijo uma informação anterior, reconheço que foi a partir da música que me despertei para a poesia de Cecília Meirelles.
Falar sobre Cecília e o que ela escreveu, sobretudo na área de poesia, é repetir o que muitos outros já disseram, reconhecer a beleza dos seus poemas, a simplicidade com que escreveu e o sentimento colocado naquilo que produziu. Então, o melhor, é mesmo mostrar o que ela fez. E no poema que acabou inspirando Canteiros. Veja:
Marcha
Cecília Meirelles
As ordens da madrugada
romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebram as formas do sono
com a ideia do movimento.
Vamos a passo e de longe;
entre nós dois anda o mundo,
com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras
de países sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas,
mais minha dúvida aumento.
Também não pretendo nada
senão ir andando à toa,
como um número que se arma
e em seguida se esboroa,
– e cair no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.
Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga
como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga, é tudo
que tenho, entre o sol e o vento:
meu vestido, minha música,
meu sonho e meu alimento.
Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudade;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos ristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento.
Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento…
Não há lágrima nem grito:
apenas consentimento.
Como podem ver, da penúltima estrofe saiu uma das estrofes da letra do Fagner, que fez nela pequenas modificações e deu, no final, um sentido bem diferente à música do que a poesia original. Este poema – e este artigo – fazem parte da blogagem coletiva sobre Cecília Meirelles, promovida pelo blog Na dança das palavras. Nele, você encontra os outros participantes e poderá ler mais, bem mais, sobre Cecília Meirelles e tomar contato com a sua poesia.
Se você acessar o artigo de dois anos – o link está logo no início – vai encontrar lá links que levam à biografia de Cecília Meirelles e à sua poesia. Espero que eles sejam úteis.
8 Respostas
Olá Lino, primeiramente quero parabenizá-lo pelo seu belo espaço cultural. Quanto ao filme, concordo contigo, realmente deixa a desejar, mas, como já disse, algumas interpretações, as paisagens e a própria estória de certa forma, ainda fez valer a pena. Agora bom mesmo é ver esta homenagem a CecÃlia, espalhada pelos blogs. Escrever com simplicidade é o grande segredo, pois é a prova de que não precisamos buscar palavras difÃceis para desenhar um belo poema. Como faço para participar de uma postagem coletiva, assim como essa? Grande abraço…valeuuuu…apareça…
Lino, eu tb me recordo de Cecilia qdo ouço Fagner, tem outra poesia que ele musicou tambem..
Motivo (CecÃlia Meireles)
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E sei que um dia estarei mudo:
– mais nada
Lino, uma bela escolha.
Esses dias tenho tido oportunidade de ler muito sobre ela, e muito dela.
Essas blogagens ajudam nisso.
Puxa, fazia tempo que não passava por aqui.
Fiquei feliz com sua visita.
Um beijo.
PS: É hoje o dia heim?
Ceciclia Meirelles é uma delicia de ler.
Big Beijos
CecÃlia é sempre uma delÃcia de se ler. Adoro a suavidade de suas palavras. Bjus e um ótimo domingo.
Foi um prazer receber a sua participação na blogagem coletiva HOJE É DIA DE CECÃLIA .
Já passamos de 160 blogs inscritos, ainda continuamos recebendo novos interessados em participar.
Foi gratificante ver tantas pessoas compartilhando seus poemas preferidos nessa grande comemoração que se transformou num cântico de amor em memórida da vida e da obra da amada CecÃlia Meireles.
Aceite o meu agradecimento e afeto.
Com carinho,
Leonor Cordeiro
Gostaria de pedir gentilmente a sua visita no Blog do Circulo Literario Barbarense, este circulo reúne escritores e artistas de Sta Bárbara , interior de Sp…Queremos o apoio e os comentários dos blogueiros que se preocupam com a Cultura, assim como vc, para difundirmos a Arte aqui na Cidade, precisamos do seu apoio, visite o blog, se puder deixe criticas e sugestões, pretendemos publicar trabalhos dos participantes. Contamos com vc , já que não podemos contar com as Autoridades, as quais não querem um povo intelectualizado.
Grande Abraço!!
Lino,
uma das melhores coisas dessas blogagens coletivas é a oportunidade que temos de aprender um pouco mais sobre os assuntos abordados. Essa sobre a nossa poetisa mor está fantástica. Parabéns pela escolha do poema e da música – ambos excelentes.
Abraços,