Dois livros, totalmente díspares, chamaram minha atenção nos últimos dias. O primeiro foi escrito pelo ex-ministro e senador Jarbas Passarinho, que conta a sua trajetória política, realçando os fatos de que participou e que gosta de usar adjetivos para classificar acontecimentos e pessoas. Se se interessar por história, pode ser uma leitura interessante. O livro chama-se “O híbrido fértil“, foi publicado em 1996 pela Editora Expressão e Cultura. O exemplar que li – mais por obrigação profissional – era antigo, pertencente a um amigo que o tinha lido e o recomendou.
Com o segundo livro deparei-me por acaso, em uma pesquisa no Google, e chama-se “Dicionário Brasileiro de Insultos“, compilados por Altair Aranha, e pode ser encontrado em livrarias virtuais como a Cultura. O que o autor fez foi um passeio pelo Brasil coletando os mais variados insultos, alguns chulos, mas muito usando o português castiço, que esconde a agressão ou só a torna compreensível para quem é mais letrado. Não tenho o Dicionário, mas vou adquiri-lo, por pura curiosidade.
Mas o que dois livros tão diferentes tem em comum? Exatamente os insultos. O ex-senador Passarinho muitas vezes usa adjetivos fortes para classificar adversários e correligionários, exaltando ou criticando comportamentos e ações. Em muitos casos, acaba alinhando comentários que são desprimorosos para os que com eles foram contemplados, mas não perdem a elegância, a fineza da língua. É o caso, por exemplo, do que diz sobre Plínio Salgado, principal líder da Ação Integralista, organização pró-nazista que fez bastante sucesso no Brasil.
No livro, Passarinho relata encontro com o líder, que era Deputado Federal, e o chama de bêbado. Não assim, mas com outras palavras que tornaram o insulto inteligente e elegante. Afirmou que Salgado tinha halitose alcoólica. No caso do ex-Governador do Pará, Alacid Nunes, não chegou a chamá-lo – o que poderia ter feito – de apedeuta, mas chegou muito perto disso sugerindo que era de inteligência curta. Se usasse o primeiro, como usou o segundo termo, a classificação do político é clara: burro.
Não sei se o ex-senador tem ou leu o Dicionário, mas poderia ter feito isso e, dele, retirado outros termos que completariam ou explicariam o que pensava de amigos e adversários. O Dicionário oferece um extenso ferramental para o exercício da arte do insulto. Pode-se, por exemplo, chamar alguém de “encéfalo de guidão”, que é o modo elegante de dizer o que, popularmente, se chama de “chifrudo”. Ou, então, usar um regionalismo para chamar alguém de fofoqueiro, dizendo que é um “corta jacas”. O curioso é que os insultos mais populares são, também, os mais comuns, que qualquer um pode entender, como chamar uma pessoa de corno.
O fato é que, como demonstra o livro de Passarinho, alguém pode ser adjetivado de modo pejorativo, insultuoso mesmo, sem que o insulto fique tão evidente. Afinal, halitose alcoólica não tem o mesmo efeito de bêbado, embora diga exatamente a mesma coisa. O que os dois livros nos mostram é que, sabendo aproveitar, a língua pode nos dar excelentes ferramentas e elas não se destinam só aos insultos.